CHIQUINHA
É inverno, Minha casa no verão,
Tornou-se silenciosa e triste,
Tornou-se de repente um velho trem,
E no barulho ensurdecedor do meu presente,
A Chiquinha mansamente apareceu.
Ela trouxe com sua presença o paraíso,
Um terno riso cravejado de estrelas,
O seu riso é um ardente sol,
Que me cheira a flor de pessegueiro,
Isolado em um mar de argenta luz.
Eu vi em sua blusa o azul do céu,
Aquele céu de primavera,
Insinuando um bando de andorinhas,
Em revoada na busca do verão.
A sua saia então, o que parece-me?
Eu vejo na sua saia o meu outono,
Com seu cinza nevado de incertezas,
E suas sandálias me lembram um pescador.
Os cabelos de Chiquinha, o que me lembram?
Lembram-me longas notes de insônia,
Onde o vento clama longe,
Canções quase perdidas em um tempo.
Os seus olhos são faróis na tempestade,
Lançando sua luz castanhos escuro,
Por sobre o lençol verde desta selva,
Que me lembra com saudade o arco-íris,
Azul, vermelho e branco do teu céu.
Hoje a Chiquinha apareceu,
Trazendo em sua boca o batom,
Vermelho como o corpo da maçã
*J.L.BORGES
1988