ALUCINAÇÕES
Na imensidão eu vi Sodoma e Gomorra,
Sendo devastada pelo fogo abençoado
Nas trevas vi Caim matar,
Eu Abel ser assassinado.
Eu vi Marias, vi Madalenas,
Apagar e afagar os seus pecados;
Eu ouvi a voz serena do Salvador,
Em angustia ao ser crucificado.
Eu vi as tribos de Israel, eu vi Moises,
Redizir as taboas no deserto;
Eu vi a salvação de perto,
E a morte batendo a minha porta.
Eu vi a destruição de Pompéia e Herculano,
Também vi a luz que brilha em ti;
No amargo da certeza eu vi,
Aquele poder insano que arrasa e que conforta.
Eu vi uma estrela cair do céu,
E o mar engolir tantas cidades;
No escuro da noite a eternidade,
Ser desvirginada pelo nefasto tempo.
Eu vi o vento da discórdia aqui,
Nações dominantes, outras vencidas;
A morte destruindo a vida,
E os olhos do devorador eu vi.
Também vi o criador em mim,
Mostrando o paraíso belo;
Eu vi flores em montanhas estranhas,
E a primavera na face da criança.
A paz no velho eu vi,
Esta paz que rege o mundo e parece infinda;
Também vi naquela face linda,
O meigo sorriso no brilho da esperança.
Eu vi no espaço dragões no abrasador,
Lançar sua fúria sobre a terra adormecida;
Eu vi primatas como num filme de terror,
Nas cavernas destas noites esquecidas.
E na era glacial da jovem terra,
Vi tantos deuses devoradores e errantes;
Me travesti de Quixote e de la mancha,
Nas memórias empoeiradas de Cervantes.
Eu vi lúcifer expulso do paraíso,
E uma legião a lhe acompanhar
Vi Deus chorar o pecado da maçã,
Eu vi Adão e Eva serem expulsos de seu lar.
O fim de mundo em meu quarto eu vi,
O anuncio imprevisto duma transmutação;
Coisas obscenas que não entendi,
Quando me perdi na contra mão.
Eu vi os olhos do mal no hemisfério norte,
Propagandas nefastas na televisão;
Eu vi um gigante adormecido,
Nos becos e favelas desta solidão.
Eu vi a noite profana rasgar o dia,
E o sol queimar a terra sem clemência
O mar engolir cidades e na ventania,
Do imutável se perder na existência.
Eu vi big bang neste universo,
Colossal que está a meu redor;
Estrelas engolindo estrelas neste perverso,
Mundo do vencer pra ser melhor.
No buraco negro da fatalidade,
Eu vi tudo que temia ver;
Eu vi Cristo ao ser martirizado,
A magna essência do seu renascer.
Eu vi a morte suplantar a vida,
Na teimosa guerra da eternidade;
Vi uma frágil flor nascer no inverno,
Alem do inferno desta minha saudade.
Eu vi chumbos de ódios nos olhos da criança,
Eu vi a corrupção a desnudar paises;
O tênue fio romper, cair a esperança,
A marca da tristeza em belas meretrizes.
Eu vi Maomé tombar aos pés do delator,
Um Buda intocável perambulando por aí;
Anúncios que este mundo aos pés do infrator,
É apenas bosta seca flutuando logo ali.
Eu vi o homem macular a lua,
Colombo Desvirginando mares;
E na ânsia de emoldurar a fera,
Vi Van Gog se embriagar em bares.
Eu vi a inocência perdida,
Em lençóis vermelhos nas janelas;
O papa de joelhos a lamentar as guerras,
O olhar do pecador espiando em aquarelas.
Vi reis e rainhas açoitar viúvas,
A pureza indelicada da inquisição
A espada de Torquemada em decadência,
Na incoerência de irmão matar irmão.
No tudo que vi pouco me iludo,
Me sinto confuso a relembrar os fatos;
Este teatro inefável me abrasa,
Me abala antes do final do ato.
São guerras nucleares num jardim,
Contidos dentro deste paraíso;
Anúncios e prenúncios deste fim,
Na inocência esquecida em um sorriso.
Eu vi Sadan e satã, também vi Busch,
Nos jardins da casa branca decadente;
Milhões de homens desvairados e vendados,
Entre a pomba e a bomba intelIgente.
Eu vi templos profanos margeando infernos,
Onde a rosa atômica era deflorada;
Me perdi nas profundezas deste inverno,
Igual ébrio cambaleando em madrugadas.
Eu vi vassalos explorados por feudais,
Senhores em castelos de pedra e sangue;
Em remotas épocas medievais,
A onde a lei era servir o grande.
Me vi perdido entre luas e planetas,
Nesta fuga sideral que nunca acaba;
Vi loucos seres cavalgando em cometas,
Em uma estrada que não leva a nada.
Eu vi meus versos no reverso da medalha,
Escritos no bronze pelo tempo incandescente;
Eu vi pergaminhos e mortalhas,
Nas poesias maculadas e inocentes.
Num sobressalto consigo acordar deste meu sonho,
E na quietude deste quarto vejo a solidão;
O tédio sem remédio, o amargo fel do eu medonho,
Desenhando lentamente a próxima alucinação.
*J.L.BORGES
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