quarta-feira, 23 de maio de 2018

ALUCINAÇÕES

ALUCINAÇÕES

Na imensidão eu vi Sodoma e Gomorra,

Sendo devastada pelo fogo abençoado

Nas trevas vi Caim matar,

Eu Abel ser assassinado.

Eu vi Marias, vi Madalenas,

Apagar e afagar os seus pecados;

Eu ouvi a voz serena do Salvador,

Em angustia ao ser crucificado.

Eu vi as tribos de Israel, eu vi Moises,

Redizir as taboas no deserto;

Eu vi a salvação de perto,

E a morte batendo a minha porta.

Eu vi a destruição de Pompéia e Herculano,

Também vi a luz que brilha em ti;

No amargo da certeza eu vi,

Aquele poder insano que arrasa e que conforta.

Eu vi uma estrela cair do céu,

E o mar engolir tantas cidades;

No escuro da noite a eternidade,

Ser desvirginada pelo nefasto tempo.

Eu vi o vento da discórdia aqui,

Nações dominantes, outras vencidas;

A morte destruindo a vida,

E os olhos do devorador eu vi.

Também vi o criador em mim,

Mostrando o paraíso belo;

Eu vi flores em montanhas estranhas,

E a primavera na face da criança.



A paz no velho eu vi,

Esta paz que rege o mundo e parece infinda;

Também vi naquela face linda,

O meigo sorriso no brilho da esperança.

Eu vi no espaço dragões no abrasador,

Lançar sua fúria sobre a terra adormecida;

Eu vi primatas como num filme de terror,

Nas cavernas destas noites esquecidas.

E na era glacial da jovem terra,

Vi tantos deuses devoradores e errantes;

Me travesti de Quixote e de la mancha,

Nas memórias empoeiradas de Cervantes.

Eu vi lúcifer expulso do paraíso,

E uma legião a lhe acompanhar

Vi Deus chorar o pecado da maçã,

Eu vi Adão e Eva serem expulsos de seu lar.

O fim de mundo em meu quarto eu vi,

O anuncio imprevisto duma transmutação;

Coisas obscenas que não entendi,

Quando me perdi na contra mão.

Eu vi os olhos do mal no hemisfério norte,

Propagandas nefastas na televisão;

Eu vi um gigante adormecido,

Nos becos e favelas desta solidão.

Eu vi a noite profana rasgar o dia,

E o sol queimar a terra sem clemência

O mar engolir cidades e na ventania,

Do imutável se perder na existência.

Eu vi big bang neste universo,

Colossal que está a meu redor;

Estrelas engolindo estrelas neste perverso,

Mundo do vencer pra ser melhor.

No buraco negro da fatalidade,

Eu vi tudo que temia ver;

Eu vi Cristo ao ser martirizado,

A magna essência do seu renascer.

Eu vi a morte suplantar a vida,

Na teimosa guerra da eternidade;

Vi uma frágil flor nascer no inverno,

Alem do inferno desta minha saudade.

Eu vi chumbos de ódios nos olhos da criança,

Eu vi a corrupção a desnudar paises;

O tênue fio romper, cair a esperança,

A marca da tristeza em belas meretrizes.

Eu vi Maomé tombar aos pés do delator,

Um Buda intocável perambulando por aí;

Anúncios que este mundo aos pés do infrator,

É apenas bosta seca flutuando logo ali.

Eu vi o homem macular a lua,

Colombo Desvirginando mares;

E na ânsia de emoldurar a fera,

Vi Van Gog se embriagar em bares.

Eu vi a inocência perdida,

Em lençóis vermelhos nas janelas;

O papa de joelhos a lamentar as guerras,

O olhar do pecador espiando em aquarelas.

Vi reis e rainhas açoitar viúvas,

A pureza indelicada da inquisição

A espada de Torquemada em decadência,

Na incoerência de irmão matar irmão.

No tudo que vi pouco me iludo,

Me sinto confuso a relembrar os fatos;

Este teatro inefável me abrasa,

Me abala antes do final do ato.

São guerras nucleares num jardim,

Contidos dentro deste paraíso;

Anúncios e prenúncios deste fim,

Na inocência esquecida em um sorriso.

Eu vi Sadan e satã, também vi Busch,

Nos jardins da casa branca decadente;

Milhões de homens desvairados e vendados,

Entre a pomba e a bomba intelIgente.

Eu vi templos profanos margeando infernos,

Onde a rosa atômica era deflorada;

Me perdi nas profundezas deste inverno,

Igual ébrio cambaleando em madrugadas.

Eu vi vassalos explorados por feudais,

Senhores em castelos de pedra e sangue;

Em remotas épocas medievais,

A onde a lei era servir o grande.

Me vi perdido entre luas e planetas,

Nesta fuga sideral que nunca acaba;

Vi loucos seres cavalgando em cometas,

Em uma estrada que não leva a nada.

Eu vi meus versos no reverso da medalha,

Escritos no bronze pelo tempo incandescente;

Eu vi pergaminhos e mortalhas,

Nas poesias maculadas e inocentes.

Num sobressalto consigo acordar deste meu sonho,

E na quietude deste quarto vejo a solidão;

O tédio sem remédio, o amargo fel do eu medonho,

Desenhando lentamente a próxima alucinação.

  *J.L.BORGES





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