quarta-feira, 8 de agosto de 2018

O IMORTAL

O IMORTAL

Sou o vigor do alimento,

O gosto amargo do vinho;

Sou o ar fresco e suave,

Sou homem a sonhar sozinho

Sou as ondas do Atlântico,

O sonoro apito do trem;

Sou as águas do amazonas,

A saudade de alguém.

Sou a luz dos velhos lampiões,

O sedento olhar da fera;

Sou o ronco dos motores

As flores na primavera.

Sou a estátua de Cristo

Redentor mirando o rio;

Sou o massacre da Candelária,

Eu sou a fera no cio

Sou o tinir das espadas,

Nas guerras do Aceguá;

Sou no planalto central,

Uivar do lobo guará.

Sou a Apolo 11 na lua

Sou Roma ardendo em chamas;

Sou vagabundo na rua,

Sou o enfermo na cama.

Sou a bomba em Hiroxima,

Sou cardumes no oceano;

Sou Titanic afundando,

Sou certo e cheio de enganos.

Sou olhar da virgem menina,

O uivar do lobo mau;

Sou a jóia que fascina,

Eu sou cavalo de pau.

Eu sou pai, sou mãe, amante,

O fruto de meus avós;

Sou sorriso a todo instante,

Da costura sou o cós.

Sou a verde folha das árvores,

Sou a placa de contra mão;

Sou Pedro, sou pedra, espinho,

Sou calos na tua mão.

Sou as neves do Himalaia,

O estranho olhar do cigano;

Sou as areias do Saara,

O assobio do Minuano.

No vasto espaço sou caos,

No universo, harmonia;

Sou tua calma, a tua espera,

A fresca noite, o dia.

Sou a inspiração do poeta,

O sonho do sonhador;

Sou Alfa, Omega, sou Beta,

Eu sou o olhar do condor.

Sou os anéis de Saturno,

A saga dos Guaranis;

Sou monções, sou ventania,

Do Oiapoque ao Chuí.

Sou o verde da maçã

O sabor doce do mel;

Sou fuzil, sou guilhotina,

O gosto amargo do fel.

Sou o branco frio do inverno,

Sou o mormaço do verão;

Sou geleiras no Alasca,

O olho do furacão.

Sou o clamor do quero-quero,

Os passos do viajante;

Arranha-céus de Chicago,

Sou na África diamantes.

Sou o tigre de bengala,

Nas savanas sou leão;

Sou o ouro dos Astecas,

Da quieta chuva a canção.

Sou as nuvens sobre os Andes

Os juncais no Jacuí;

No Pantanal sou a ave,

O canto do tuiu-í.

Sou o ruflar dos tambores,

Os sinos nas catedrais;

A paz em  meio a horrores

A fadiga dos metais

Sou a cruz na beira da estrada,

Os peixes no Camaquã;

Vela azul na encruzilhada,

Sou o riso de Tupã.

Sou o coliseu de Roma,

Em Pompéia sou vulcão;

Sou São Paulo da garoa,

O retumbar do trovão.

Sou o Porto dos Casais,

Mercado de ver o peso;

O suspiro dos mortais

Sou forte e cheio de medo.

Sou o sangue dos farrapos,

Sou o silencio das montanhas;

Sou o clamor de Sepé,

O meigo olhar do estranho

Sou sorriso de Gioconda,

Sou o sol da meia noite;

As pirâmides do Egito,

Do chicote sou açoite.

Sou guardião das florestas,

Da China sou a muralha;

A lapide do desconhecido,

Do indigente a mortalha.

No mar sou porto seguro,

Sou farol na tempestade;

Sou a água que mata a sede,

Sou a pimenta que arde.

Na madrugada o silencio,

No ocaso eu sou o grito;

Sou o cajado do fraco,

Sou cometa no infinito.

Sou a canção de ninar,

O primeiro riso inocente;

Sou a dor, a boa nova,

Na boa terra a semente.

Sou Marias Madalenas,

Sou a coroa de Jésus;

Pecadores no calvário,

No escuro sou a luz;

Eu sou, já fui nesta vida,

A fonte do bem e do mal;

Eu já fui alma perdida,

Hoje sou alma imortal.

Sou o que sou no universo,

Enquanto a vida existir;

Sou o primeiro, o derradeiro,

Sou aquele que está por vir.

*J.L.BORGES


Nenhum comentário:

Postar um comentário