sábado, 10 de abril de 2021

DOUTOR ESTRANHO

     DOUTOR ESTRANHO


     Desde a primeira vez que o vi, embora tivesse uma aparência um tanto peculiar, eu percebi que ele era um homem competente e amava o que fazia, que era clinicar, e o fazia muito bem.

     Seu consultório era muito aconchegante, nele tinham livros que ninguém mais lia, discos de vinil que ninguém mais ouvia, fitas de filmes em videocassetes que ninguém mais via, uma bela e antiga coleção de selos e moedas que ele mostrava a todos orgulhosamente, dizendo serem da época de sua adolescência.

      Conversava de igual para igual com todos, aliás ele era um homem sem igual.

     Paciente algum não deixava de ser atendido, o bom doutor ouvia atenciosamente as lamúrias dos seus adoentados que saiam sempre satisfeitos com os procedimentos do bom doutor. 

     Conheci esta rara criatura numa das minhas consultas que passei a fazer periodicamente, chegando no consultorio o vi; era uma figura estranha: cabelos revoltos, óculos fundo de garrafa, uma velha caneta esferográfica no bolso de seu jaleco, e um sorriso aberto e franco que me cativou; parecia que eramos velhos conhecidos, e assim ele foi o meu médico por certo tempo, ao conhecê-lo o apelidei intimamente e carinhosamente de doutor estranho.

     Fiquei ausente alguns meses e, certo dia fui ao posto marcar uma consulta  e para minha surpresa ninguém lá sabia o paradeiro do bom homem, disseram-me que saiu como de costume num final da tarde do posto de saúde, e nunca mais apareceu por lá, sumiu como por encanto da pequena cidade.

     O estranho é que seus velhos livros que ninguém mais lia, seus velhos discos de vinil que ninguém mais ouvia, seus velhos filmes em videocassete que ninguém mais via e a sua coleção de selos e moedas ficaram por lá como prova de sua passagem.


     *Jorge Luis Borges

     2021604

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