quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

ALMA ATA

ALMA ATA

Sexta feira santa sempre foi um dia triste,
Hoje a exceção não o torna o contrario;
Lembranças de um passado vagueiam em mim,
Uma estrela flutuando num mundo ilusório.

Lembranças da escola, da menina mais bonita,
E também a mais rica, que me fez sonhar;
Me fez depois chorar e então partiu,
Eu parti para nunca mais voltar

Do menino sem camisa, pés descalços que eu sou,
Um adulto quase velho a relembrar;
Do barzinho da esquina, meus amigos,
Que partiram em um passado, estranho barco a navegar.

Hoje lembro dos amores que eu não tive,
A tristeza escaldada encravada em meu peito;
Da saudade, da maldade desta gente,
Uma dor inacabada em meu ego insatisfeito.

Minha mente em ebulição lembra o começo,
Do pecado que entrou com a solidão;
Uma sala tão vazia este catre e uma cela,
Esta tela de uma negra escravidão.

Do menino sem camisa restam traços,
De um sorriso hoje lento e esquecido;
A onde estou eu sigo divagando,
Numa estrada tão carente de amigos.

Tão sozinho desejando um novo amor,
Um alguém para comigo chorar;
Para rir dos meus gestos atrevidos,
A meu Deus. Eu queria me casar.

Ter a amante sempre a minha espera,
Na janela, nesta porta ou no portão;
Correndo de braços abertos ao meu encontro,
Afastando do meu lado a solidão.

Mas são tudo lembranças neste dia
Que não passa, que me cansa e já passou;
Vem a noite, sem a lua e sem estrelas,
Alcançar em meu peito o que calou.

Um começo de um fim que não se acaba,
Uma partícula de saudade e de dor;
Sigo lento pelos cantos da calçada,
Tropeçando na minha falta de amor.

Só a chuva e que inunda minha alma,
Trazendo uma saudade inerte e fria;
Uma vontade de chorar em um ombro amigo,
De galgar esta vida tão vazia.

Uma vida que se levaria sem lembranças,
Pois são memórias de um tempo que não volta;
Vou seguindo nesta sexta feira santa,
Levando sonhos dentro desta minha alma ata.

*J.L.BORGES
1987

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